segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

as artes de tarsila

Manteau Rouge ( 1923)


Na manhã sonolenta de domingo, quando o edredom se tornara quase um extensão do meu corpo e o barulho de uma forte chuva era um convite a permanecer na cama, só um programa muito bom me tiraria de casa. E era bom mesmo: a exposição Tarsila Viajante, na Pinacoteca, com 37 pinturas e 120 desenhos de Tarsila do Amaral (1886-1973).

Sou apaixonada pela obra de Tarsila e, de pertinho mesmo, só conhecia
duas telas: Operários e Antropofagia. Fiquei chateada quando o milionário e colecionador mui amigo Eduardo Constantini comprou o Abaporu, levando embora do Brasil nossa obra maior do modernismo. Pensei naquela época que, daí em diante, os brasileiros teriam de vê-la na Argentina. Um absurdo, como puderam vender uma obra dessa por uns míseros dólares? US$ 1,3 milhão pra ser mais exato, conforme publicou o Estadão. Uma micharia, perto do que ela representa pra nós. Lembrava disso enquanto ouvia a chuva, que alternava de intensidade: ora torrencial, ora provocativamente diluviana. Não parava um minuto naquela manhã. E o Abaporu lá, a me esperar. Reuni todas as minhas forças e me levantei.

Quando cheguei à Pinacoteca já havia uma fila enorme no estacionamento e outra na bilheteria: casais de namorados, crianças, grávidas, velhos, adolescentes de allstars encharcados, alemães de bermudas, todos inundando a varanda da Pinacoteca com a água que pingava de dezenas de guarda-chuvas. Êta povo teimoso que é o paulistano! Não há temporal que o intimide. Além do mais, dizem que adoramos uma fila. E como tem fila em São Paulo! É por isso que não nos mudamos daqui.

Garanto que ninguém se incomodou de ter se molhado um pouco: a exposição é maravilhosa, as telas enchem nossos olhos de cores e formas. Quanto Brasil naqueles verdes e rosas! Quanta vida nas paisagens urbanas, sons de buzinas e apitos de trens! As montanhas mineiras, as casas de muitas cores, as bananeiras dos nossos quintais de infância; cucas, preguiças e sapos, bichos tão lindos, tão nossos. Os santos, os anjos que olham e rezam por nós, pecadores. As flores que explodem perfumes e cores em rostos incrédulos com tanta beleza.

Dizem que o Abaporu mudou, que seu pé gigante está diferente, que os argentinos ousaram restaurá-lo, naquela terra estranha, onde não existe carnaval, poema-piada, nem Macunaíma. Restaurado por mãos que nunca batucaram um samba, estranhos que
nunca entenderão seu caráter antropófago - será que tiveram a coragem? Acho que Tarsila, Oswald e Mário, se estivessem vivos, nunca o permitiriam. Mas olhei para ele demoradamente, que me pareceu ainda bem canibal. Um pouco mais sério e pensativo, talvez. Rezo para que não levem A Negra daqui. Capaz de inventarem diminuir-lhe os lábios ou o seio farto da mucama. Nem pensar.


ATELIER

Caipirinha vestida por Poiret
A preguiça paulista reside nos teus olhos
Que não viram Paris nem Piccadilly
Nem as exclamações dos homens
Em Sevilha
À tua passagem entre brincos

Locomotivas e bichos nacionais
Geometrizam as atmosferas nítidas
Congonhas descora sob o pálio
Das procissões de Minas

A verdura no azul klaxon
Cortada
Sobre a poeira vermelha

Arranha-céus
Fordes
Viadutos
Um cheiro de café
No silêncio emoldurado

(de Oswald de Andrade, in Pau-Brasil, 1925)


Cartão Postal (1928)


Abaporu (1928)



A Negra (1923)



Antropofagia (1929)



O Lago (1928)



Morro da Favela (1924)


Anjos (1924)


A Lua (1928)


Tarsila Viajante. Pinacoteca. Pça. da Luz, 2, 3324-1000. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. R$ 4 (sáb. grátis). Até 16/3.

5 comentários:

Unknown disse...

Pena que não pude ir....

Deve ser uma exposição linda!

Se bem que temos aqui, nesse seu cantinho, uma apresentação tão linda quanto a própria exposição.

Adoro seu blog, My,


Beijos

Fe

Raul Saito disse...

Myriam:

Obrigado por esta aula de cultura e sensibilidade.
Possibilitando que eu me motive e me interesse pela cultura brasileira tão rica vista por seus olhos.

bjs

Anderson Lucarezi disse...

Ah!
eu vi o sol do Aldemir Martins de q vc falou!
Ele tem quadros ilustrados nas capas das edições mais atuais dos livros do jorge Amado.
um beijo,

Luca.

Felipe disse...

Ai, porque eu não fui ainda?
Até o dia 16/03 eu irei. Os quadros da Tarsila são realmente incríveis!
E o "Abaporu" está na Argentina...rsrssrsrs... como permitiram isso?

Bom,

Bjos My!

Anônimo disse...
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