quinta-feira, 1 de novembro de 2007

pra sair do mau-humor




resmungos paulistanos

São Paulo está se tornando uma cidade difícil de viver. Se não bastasse a falta total de segurança, o trânsito caótico, agora vem esse calor insuportável, com a temperatura batendo recordes. Lembro de uma época em que o paulistano ficava espantado com o calor do Rio de Janeiro: "37° à sombra!" E os tiroteios, em plena luz do dia, dos quais só ouvíamos falar e achávamos "um absurdo!" Bons tempos aqueles em que nos sentíamos felizes por morar em São Paulo.

Talvez eu esteja resmungando alto. Não é do meu feitio mas, tal como esta cidade, acho que não estou na melhor das fases.

Quando as moscas da desesperança começam a voar ao meu redor, lembro de um amigo que, em ocasiões semelhantes, dizia recorrer aos versos do genial Walter Franco:

tudo é uma questão de manter
a mente quieta
a espinha ereta
e o coração tranqüilo

Aprendi com ele a repetir esses versos, até à exaustão, como um mantra, que tem o poder de entrar em nossa mente e em seguida n'alma aflita, até nos sentirmos zen.

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Reli agora um poema, do Paulo Henriques Britto, também genial - e fundamental. Uma reflexão sobre o próprio ato de escrever.

No fim de tudo, restam as palavras.
Na solidão do corpo, no saber-se
apenas pasto para o esquecimento.

há sempre a semente de alguma ilíada
mínima, promessa de permanência
no mármore etéreo de uma sílaba,

mesmo sendo mero sopro, captado
na frágil arquitetura do papel,
alvenaria de ar. Restará

a palavra que deixarmos no fim da
nossa história. Que julguem os outros,
que chegarão depois. Mais tarde ainda.


[do livro "Tarde", Companhia das Letras, 2007]