sábado, 29 de dezembro de 2007

todos os meus ontens



Já falei neste blogue
sobre António Lobo Antunes - escritor português, nascido em 1942, 27 títulos publicados, traduzidos em 16 línguas, ganhador de vários prêmios literários, sendo o mais recente o Prêmio Camões de 2007. A exemplo de W. Faulkner e V. Woolf, desenvolve um tipo de narrativa entrecortada de lembranças, possuindo no entanto um estilo pessoal, inconfundível: ninguém escreve como Lobo Antunes. É, sem dúvida, o maior vulto do romance português recente.

Em Os cus de Judas, romance de 1979, o texto é denso, compulsivo, os longos períodos atravessam páginas, não nos deixando outra alternativa senão segui-los, também compulsivamente. Ao tratar das contradições e sentimentos dos personagens durante a Guerra de Angola - na qual esteve presente, servindo o exército português como médico, entre 1970 e 73 -, Lobo Antunes escreve sobre a impotência do ser humano diante da violência que nos deixa perplexos e retira da vida o próprio sentido.

Esse é o trecho de que mais gosto do livro. Descrições simultâneas, físicas ou de pensamentos; o passado misturado ao presente; os versos da canção Pequeña serenata diurna, de Silvio Rodríguez: múltiplos elementos que se contrapõem e criam um efeito de caleidoscópio, de grande riqueza lingüística e sensorial. Ninguém escreve como Lobo Antunes.


[...] durante a viagem a orquestra do navio tocava tangos mofentos para bodas de prata, embarquei a 6 de Janeiro e na noite do fim do ano tranquei-me no quarto de banho para chorar, um bolo-rei impossível de engulir entupia-me a garganta, empurrei-o a champanhe e ele tombou na barriga no som dos pedregulhos no poço do jardim do avô, plof!, provocando círculos concêntricos no lago da canja do jantar, o poço sob as árvores ao pé do muro para a estrada onde se ia fumar às escondidas, o caseiro tirou o chapéu e explicou respeitosamente a coçar a cabeça O que a gente precisa é que alguém tomar conta de nós o menino não acha?, e se vier alguém tomar conta de nós o que pensa você que começaria por fazer, levar-me para sua casa, levá-la para minha casa, lavar-nos os dentes, estender-nos na cama, e falar-nos em voz baixa até adormecermos, falar-nos de serenidade e alegria até adormecermos, falar-nos do primeiro de Maio de 74 que os políticos inquinavam já da massa folhada sem recheio dos seus dircursos veementes, mas onde crescia nas ruas uma irresistível fermentação de esperança, os ministros de Caetano borravam-se de medo na Madeira, os pides borravam-se de medo em Caxias, uma festa de labaredas vermelhas alastrava triunfalmente em Lisboa, quiero que me perdones los muertos de mi felicidad, los muertos de mi felicidad no cacimbo de Angola, seis meses de cacimbo enevoado e capim amarelo a arder ao longe, perdoe-me os mortos da minha felicidade quando lhe seguro na mão, quando meus joelhos apertam os seus, quando a minha boca vai tocar na sua e os olhos se fecham devagar como corolas nocturnas, todos os meus ontens se encontram presentes neste beijo, talvez que as múmias do bar se esfarelem como os vampiros à aproximação do dia num concerto de dobradiças que se quebram, todos os meus ontens, percebe?, O que a gente precisa, menino, garantia o caseiro, é que venha alguém cuidar de nós, [...]

[In Os cus de Judas, de António Lobo Antunes - Rio de Janeiro: Objetiva, 2003 - pág. 75 e 76]

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

um natal diferente



Gosto de reler esta crônica do Ferreira Gullar na época de Natal. Ela me faz ver que momentos difíceis podem ser superados e depois lembrados com humor, quem sabe até isentos de mágoas. Sem o humor e a esperança, a vida é pequena. E muito chata.

Um Natal diferente

Naquele ano de 1968, passei o Natal em cana.
Não diria que foi um Natal festivo, mas, dentro das possibilidades, eu e meus companheiros de prisão tratamos de fazer jus à data, gozando a situação em que nos encontrávamos. No nosso xadrez -o X 3- havia oito presos, Paulo Francis, eu e mais seis; no xadrez ao lado, estavam, além de Caetano Veloso e Gilberto Gil, vários jovens, entre os quais um que se chamava Perfeito Fortuna, o líder deles. Pela grade da janela, que dava para os fundos da prisão, nos comunicávamos com nossos vizinhos que não paravam de inventar encrencas e cantar. Já minha preocupação era por ordem em nosso convívio e achar um jeito de encher o tempo. Daí ter proposto que cada um contasse coisas interessantes de sua vida, relacionadas ou não com a luta política.
Uma das figuras mais curiosas do grupo era um sujeito alto e ossudo que se chamava Antônio Calado, homônimo do escritor e que, devido a isso, tinha sido preso. Quando soube que eu conhecia o romancista, implorou-me para dizer aos militares que ele não era o outro Callado. Mas como atendê-lo se até aquele momento estávamos todos incomunicáveis? Quando, dias depois, fomos levados um a um ao interrogatório, pude fazer o que me pedira. Disse maldosamente ao oficial que me interrogava: "Ele se parece tanto com o escritor Antônio Callado quanto um jabuti se parece com um lápis". O oficial me fitou irritado mas, no dia seguinte, mandou soltá-lo.
Fui preso no dia 13 de dezembro, em minha casa, no começo da noite, por um oficial do Exército, que se tornou mais tarde conhecido como um dos chefes do jogo do bicho no Rio de Janeiro: o capitão Guimarães. Eu e Teresa estávamos nos preparando para ir ao cinema, junto com Vianinha, João das Neves e Pichín Plá, nossos companheiros do Grupo Opinião. João e Pichín já haviam chegado. Quando soou a campainha da porta, fui abrir pensando que era o Vianinha, mas deparei-me com dois soldados do Exército.
- É aqui que mora o senhor Ferreira Gullar?
- Do que se trata?
- É o senhor?
- Sou eu mesmo, mas do que se trata?
- Tenho um ordem de prisão contra o senhor -disse o capitão, forçando a entrada.
Neste instante, Teresa chegou à sala. Ao tomar conhecimento da situação, perguntou ao oficial.
- O senhor tem uma ordem de prisão?
- A ordem é verbal. Ele está preso.
- Mas isso é ilegal, disse ela.
A televisão estava ligada e nela apareceu a figura do ministro da Justiça lendo um documento.
- Escute, falou o capitão, apontando para a televisão.
O ministro lia o Ato Institucional n.º.5, que suspendia todos os direitos constitucionais do cidadão. João das Neves e Pichín Plá assistiam àquilo apavorados, temendo que sobrasse para eles, já que estávamos todos num mesmo barco. Nossa preocupação era agora com o Vianinha, que poderia estar sendo procurado também.
- Vamos inspecionar a casa, disse o capitão, e se encaminhou para o corredor.
João e Pichín aproveitaram para dar o fora.
- Fiquem esperando pelo Vianinha lá embaixo e avisem a ele, adverti eu.
Os dois saíram. Eu entrei na cozinha, abri a geladeira e joguei dentro dela minha caderneta de endereços, a fim de que não caísse nas mãos dos milicos. Em seguida, sussurrei a Teresa que, depois que me levassem, telefonasse para Mário Cunha, na sucursal do "Estadão", informando de minha prisão.
Enquanto isso, eles vasculhavam a casa mas, ao tentarem entrar no quarto dos meninos, Luciana, minha filha, que tinha então 13 anos, os impediu e fechou-se no quarto. A mando da Teresa, ela tinha levado para lá alguns exemplares do jornal do Partido.
O capitão, então, voltou-se para a estante do corredor e começou a catar ali os livros que supostamente serviriam para me inculpar. Ele ia olhando a capa dos livros e os devolvendo à estante. Como ali estavam os livros sobre arte, a sua busca era infrutífera. Até que se deparou com uma pasta, abriu-a e sorriu satisfeito. Tinha encontrado o que buscava. Chamou o soldado e entregou-lhe a pasta.
- Isto vamos levar, disse ele ao soldado.
Eu, que tinha reconhecido a pasta, aproximei-me:
- Por que vai levar? São os originais de um livro meu sobre arte.
- Sobre arte?, disse ele ironicamente- Sei...
De fato, eu havia reunido ali uma série de artigos que publicara, anos atrás, no Suplemento Dominical do "Jornal do Brasil", sobre os movimentos da arte contemporânea e pusera o seguinte título: "Do Cubismo à Arte Neoconcreta". Deveria entregar aqueles originais, na semana seguinte, à Editora Ler.
Inutilmente tentei explicar ao capitão que aqueles artigos nada tinham a ver com política. O soldado os levou junto com livros e revistas considerados subversivos. Só depois de algum tempo entendi o motivo daquela decisão. Ele achou que a palavra "cubismo" dizia a respeito a Cuba.
E essa foi a anedota que nos fez rir muito naquela noite de Natal que passamos no xadrez da Vila Militar.

[publicada na Folha de São Paulo, em 25/12/2005]

sábado, 15 de dezembro de 2007

a matéria-prima do poeta


Este é para mim um dos mais perfeitos e belos poemas da nossa língua, se não for o mais perfeito e belo.

Não que eu conheça poemas suficientes para poder afirmar isso - ainda pretendo conhecer muitos! -, mesmo assim algo me diz que dificilmente mudarei de opinião.

Foi como um amor maduro, que se constrói aos poucos: não gostei dele facilmente, não foi um encantamento à primeira vista. Eu o conheci ainda menina e o achei bonito, muito mesmo, mas rejeitei seus imperativos, sua aparente racionalidade. Felizmente, ao contrário de nós, mortais, um belo poema não envelhece. Paciente, ele permanece a nossa espera.

Fui conquistada quando estava pronta para ele, depois de idas e vindas, desprovida de orgulho, aberta ao riso e à dor. Pareceu-me outro, não o reconheci - nem ele a mim. Daí em diante, ficou comigo. E ficará.


Procura da poesia


Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão
[lírica.


Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto
[à linha de espuma.


O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.


[do livro A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade, in Reunião, 10 livros de poesia, José Olympio, 1974]


Quanto ao título do post anterior, confesso: eu menti.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

título 1. por que não leio drummond com frequência ou 2. combinaison dangereuse

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

[de Carlos Drummond de Andrade, do livro Corpo, Edit. Record, 1984]


Ler certos poemas de Drummond me faz muito mal.
Talvez eu seja muito permeável. Os fluidos me transpassam, se instalam e demoram a se diluir.

O problema é que também estou lendo muito Le Marquis de Sade.


domingo, 25 de novembro de 2007

ivan ilitch e o personagem sem nome de philip roth


"Ivan Ilitch via que estava morrendo, e o desespero não o largava mais. Sabia, no fundo da alma, que estava morrendo, mas não só não se acostumara a isto, como simplesmente não o compreendia, não podia de modo algum compreendê-lo.
O exemplo do silogismo que ele aprendera na Lógica de Kiesewetter: Caio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal, parecera-lhe, durante toda a sua vida, correto somente em relação a Caio, mas de modo algum em relação a ele. Tratava-se de Caio-homem, um homem em geral, e neste caso era absolutamente justo; mas ele não era Caio, não era um homem em geral, sempre fora um ser completa e absolutamente distinto dos demais; ele era Vânia, com mamãe, com papai, com Mítia e Volódia, com os brinquedos, o cocheiro, a babá, depois com Kátienka, com todas as alegrias, tristezas e entusismos da infância, da juventude, da mocidade. Existiu porventura para Caio aquele cheiro da pequena bola de couro listada, de que Vânia gostara tanto?! Porventura Caio beijava daquela maneira a mão da mãe, acaso farfalhou para ele, daquela maneira, a seda das dobras do vestido da mãe? Fizera um dia tanto estardalhaço na Faculdade de Direito, por causa de uns pirojki? Estivera Caio assim apaixonado? E era capaz de conduzir assim uma sessão de tribunal?
E Caio é realmente mortal, e está certo que ele morra, mas quanto a mim, Vânia, Ivan Ilitch, como todos os meus sentimentos e idéias, aí o caso é bem outro. E não pode ser que eu tenha de morrer. Seria demasiadamente terrível.
Era assim que ele sentia."


[A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói, tradução de Boris Schnaiderman, Ed. 34, 2006]

Leon Tolstói é considerado, ao lado de Dostoiévski e Tchekhov, um dos grandes escritores russos. Suas obras mais famosas são Guerra e Paz - visão épica da sociedade russa, entre 1800 e 1815, com uma filosofia extremamente otimista, apesar de atravessar os horrores da guerra - e Ana Karenina; os dois romances são sempre apontados entre as principais obras da literatura universal. Há que considere, no entanto, A morte de Ivan Ilitch sua verdadeira obra-prima.


"Os únicos momentos desconfortáveis eram à noite, quando caminhavam juntos ao longo da praia. O mar escuro a rugir imponente e o céu a esbanjar estrelas faziam Phoebe entrar em êxtase, porém o assustavam. A abundância de estrelas lhe dizia de modo inequívoco que ele estava fadado a morrer, e o trovão do mar a poucos metros de distância - e o pesadelo daquele negrume mais negro sob o frenesi das águas - lhe davam vontade de fugir correndo daquela ameaça de aniquilamento para a casinha de raia acolhedora, iluminada e quase sem móveis. Não era assim que ele encarava a imensidão do mar e do céu noturno no tempo em que servira bravamente a marinha, logo depois da guerra da Coréia - naquela época, mar e céu não eram para ele sinos fúnebres. Não conseguia entender de onde vinha aquele medo, e precisava de todas as suas forças para ocultá-lo de Phoebe. Por que estaria inseguro sobre sua vida, justamente agora que a dominava mais que em qualquer outro momento dos últimos anos? Por que se imaginava próximo da extinção quando um raciocínio tranqüilo e objetivo lhe dizia que ainda tinha muita vida sólida pela frente?"

[Homem comum, de Philip Roth, tradução de Paulo Henriques Britto, Companhia das Letras, 2007]


Qual a razão dos dois trechos reunidos aqui? Tolstói e Roth tratam de maneira absolutamente fascinante um tema que, a princípio, todos evitamos: a perspectiva da nossa própria morte. Os protagonistas de seus livros são muito diferentes entre si, distantes no tempo e no espaço, mas têm em comum o fato de não aceitarem a precariedade da vida, o fato de caminharmos inapelavelmente para o fim. O que devia nos tornar extremamente solidários, embora nem sempre isto aconteça.

Roth constrói com mordacidade mas também com um certo lirismo um personagem sem nome pelo qual a princípio não sentimos empatia - um publicitário que vive a trair suas mulheres e a enfrentar uma sucessão de problemas de saúde. A justificativa para a nossa rejeição talvez seja por não aceitarmos o fato de que também somos comuns - como ele - e que podemos perecer, a qualquer momento.

Além de caminharem em território semelhante, a narrativa extremamente envolvente e a sua percepção aguda do comportamento humano trazem à lembrança Tolstói e seu inesquecível Ivan Ilitch.


Philip Roth nasceu em Newark, Nova Jersey, em 1933. Escreveu mais de 20 romances e é considerado um dos maiores escritores americanos da atualidade. Venceu por três vezes o prêmio literário PEN/Faulkner. É autor de, entre outros, Complexo de Portnoy, A marca humana, O animal agonizante e Complô contra a América. Sua obra, de momentos extremamente confessionais, suscita freqüentemente discussões sobre o que é ficção e o que é real em suas histórias.

Em 2005, numa de suas raras entrevistas, Roth disse que o público para literatura não existia mais, apesar de termos ótimos escritores e de os livros continuarem a ser escritos. "Acho que uma sociedade sem literatura será ruim, a literatura é uma das coisas boas da civilização. Mas as pessoas vão ficar bem sem livros, aliás elas não querem mais livros", declarou. É só sair do mundo restrito das Letras e das Artes em geral ou olhar para a nova geração para ver que ele tem razão. Ou não?


segunda-feira, 19 de novembro de 2007

pressa

Aforismo interessante que li hoje:

"Os deuses costumam dar glórias àqueles a quem pretendem fazer sofrer."


Mesmo assim, não me incomodaria receber a minha cota.
Pronta entrega, se possível.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

a precariedade e a permanência

, Yoko Ono(para Luca)


[Half a Room, de 1967, obra de Yoko Ono]


AS COISAS QUE NOS CERCAM

Paulo Henriques Britto


DE "TRÊS EPIFANIAS TRIVIAIS"

II

As coisas que te cercam, até onde
alcança tua vista, tão passivas
em sua opacidade, que te impedem
de enxergar o (inexistente) horizonte,
que justamente por não serem vivas
se prestam para tudo, e nunca pedem

nem mesmo uma migalha de atenção,
essas coisas que você usa e esquece
assim que larga na primeira mesa —
pois bem: elas vão ficar. Você, não.
Tudo que pensa passa. Permanece
a alvenaria do mundo, o que pesa.

O mais é enchimento, e se consome.
As tais Formas eternas, as Idéias,
e a mente que as inventa, acabam em pó,
e delas ficam, quando muito, os nomes.
Muita louça ainda resta de Pompéia,
mas lábios que a tocaram, nem um só.

As testemunhas cegas da existência,
sempre a te olhar sem que você se importe,
vão assistir sem compaixão nem ânsia,
com a mais absoluta indiferença,
quando chegar a hora, a tua morte.
(Não que isso tenha a mínima importância.)


[In Macau, Companhia das Letras, 2003]

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

horas mudas



Sem muito o que escrever, leio. Sem muito o que falar, ouço.

"Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la por minha mão em teu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os ciclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água."

[Cortázar, Julio - O jogo da amarelinha, tradução de Fernando de Castro Ferro, capítulo 7 - talvez o trecho mais conhecido do livro.]


Cortázar, lendo este trecho: ouça aqui.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

fetiches de david lynch


Vida corrida é isso: mais uma que vou perder. Termina amanhã, na Galerie du Passage - que fica na Galerie Véro Dodat, entre as ruas du Bouloy e Croix des Petis Champs, Metro Louvre, à Paris - a exposição de fotografias de David Lynch, Fetish.





Lynch fotografou souliers de Christian Louboutin, top designer de sapatos, alguns criados especialmente para a exposição, em ambientes povoados de sombras, e onde os corpos nus das dançarinas do Crazy Horse, Nouka e Baby, se destacam. As peles perfeitas, muito brancas, os olhos escuros, as bocas vermelhas e brilhantes são ícones da estética de Lynch, assim como os sofás, o ambiente pesado e decadente, presentes também em seus filmes, como no mais conhecido deles, Veludo Azul (Blue Velvet, 1986). Como em todos os seus filmes, na obra plástica de Lynch há sempre um estranhamento, uma sensação de perigo iminente que nos atrai, como num sonho - ou num pesadelo. Ao contrário deles, que nos chocam diretamente e provocam em certas cenas até uma certa dor, as fotografias são tocantes, luminosas. Os sapatos, porém, tocam em algo obscuro dentro de nós, insinuam um convite ao proibido.



Louboutin e Lynch já tiveram uma parceria na fantástica exposição
The air is on fire, na Fundação Cartier, também em Paris, em maio último. Em meio a telas, desenhos, fotografias e filmes experimentais desse cineasta de múltiplas facetas artísticas, destacava-se um sapato de salto altíssimo, encomendado a Louboutin e elevado à categoria de escultura, dentro de uma gaiola. Tudo a ver com o universo da obra cinematográfica de Lynch, feita de códigos e fetiches.




O cineasta americano David Lynch - aqui em uma foto tirada por ele mesmo - dirigiu, entre outros filmes, Veludo Azul, A Estrada Perdida, Twin Peaks, Cidade dos Sonhos e Império dos Sonhos, este último exibido recentemente na 31ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo. Premiado em Cannes, inúmeras vezes indicado ao Oscar e outras premiações importantes do cinema, o diretor recebeu no ano passado um Leão de Ouro no Festival de Veneza pelo conjunto de sua obra cinematográfica.

Não fui assistir Império dos Sonhos, não tive tempo nem paciência para o ritual da compra de ingressos e filas intermináveis. Essa falta pode ainda ser redimida, o filme deve passar em circuito comercial. Já a exposição em Paris... é outra história.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

pra sair do mau-humor




resmungos paulistanos

São Paulo está se tornando uma cidade difícil de viver. Se não bastasse a falta total de segurança, o trânsito caótico, agora vem esse calor insuportável, com a temperatura batendo recordes. Lembro de uma época em que o paulistano ficava espantado com o calor do Rio de Janeiro: "37° à sombra!" E os tiroteios, em plena luz do dia, dos quais só ouvíamos falar e achávamos "um absurdo!" Bons tempos aqueles em que nos sentíamos felizes por morar em São Paulo.

Talvez eu esteja resmungando alto. Não é do meu feitio mas, tal como esta cidade, acho que não estou na melhor das fases.

Quando as moscas da desesperança começam a voar ao meu redor, lembro de um amigo que, em ocasiões semelhantes, dizia recorrer aos versos do genial Walter Franco:

tudo é uma questão de manter
a mente quieta
a espinha ereta
e o coração tranqüilo

Aprendi com ele a repetir esses versos, até à exaustão, como um mantra, que tem o poder de entrar em nossa mente e em seguida n'alma aflita, até nos sentirmos zen.

**

Reli agora um poema, do Paulo Henriques Britto, também genial - e fundamental. Uma reflexão sobre o próprio ato de escrever.

No fim de tudo, restam as palavras.
Na solidão do corpo, no saber-se
apenas pasto para o esquecimento.

há sempre a semente de alguma ilíada
mínima, promessa de permanência
no mármore etéreo de uma sílaba,

mesmo sendo mero sopro, captado
na frágil arquitetura do papel,
alvenaria de ar. Restará

a palavra que deixarmos no fim da
nossa história. Que julguem os outros,
que chegarão depois. Mais tarde ainda.


[do livro "Tarde", Companhia das Letras, 2007]

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

só para loucos



TRATADO DO LOBO DA ESTEPE


"Era um vez um certo Harry, chamado o Lobo da Estepe. Andava sobre duas pernas, usava roupas e era um homem, mas não obstante era também um lobo das estepes. Havia aprendido uma boa parte de tudo quanto as pessoas de bom entendimento podem aprender, e era bastante ponderado. O que não havia aprendido, entretanto, era o seguinte: estar contente consigo mesmo e com a a sua própria vida. Era incapaz disso, daí ser um homem descontente. Isso provinha, decerto do fato de que, no fundo de seu coração, sabia sempre (ou julgava saber) que não era realmente um homem e sim um lobo das estepes. As pessoas argutas poderão discutir a propósito de ser ele realmente um lobo, se ter sido transformado, talvez antes de seu nascimento, de lobo em ser humano, ou de ter nascido homem, porém dotado de alma de lobo ou por ela dominado; ou, finalmente, indagar se essa crença de que ele era um lobo não passava de um produto de sua imaginação ou de um estado patológico.

[...] Com o nosso Lobo da Estepe sucedia que, em sua consciência, vivia ora como lobo, ora como homem, como acontece com todos os seres mistos. Ocorre, entretanto, que quando vivia como lobo, o homem nele permanecia como espectador, sempre à espera de interferir e condenar, e quando vivia como homem, o lobo procedia de maneira semelhante. Por exemplo, se Harry, como homem, tivesse um pensamento belo, experimentasse uma sensação nobre e delicada, ou praticasse uma das chamadas boas ações, então o lobo, em seu interior, arreganhava os dentes e ria e mostrava-lhe com amarga ironia o quão ridícula era aquela nobre encenação aos seus olhos de fera, aos olhos de um lobo que sabia muito bem em seu coração o que lhe convinha, ou seja, caminhar sozinho nas estepes, beber sangue vez por outra ou perseguir uma loba. Toda ação humana parecia, pois, aos olhos do lobo horrivelmente absurda e despropositada, estúpida e vã. Mas sucedia exatamente o mesmo quando Harry sentia e se comportava como lobo, quando arreganhava os dentes aos outros, quando sentia ódio e inimizade a todos os seres humanos e a seus mentirosos e degenerados hábitos e costumes. Precisamente aí era que a parte humana existente nele se punha a espreitar o lobo, chamava-o de besta e de fera e o lançava a perder, amargurando-lhe a satisfação de sua saudável e simples natureza lupina."


[O lobo da estepe, de Herman Hesse, trad. de Ivo Barroso, Editora Civilização Brasileira, 1969, 3ª edição.]

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

um jacto d'água fria

Ser uma pessoa otimista ajuda em quê? Às vezes, em nada.
Saber que uma pessoa linda e jovem, com muitos sonhos para o futuro, tem uma doença grave ou que outra, que sempre deu duro a vida inteira no trabalho está envelhecendo, sem condições para sobreviver: estar próximo a elas estremece nossas convicções, nos faz parar para pensar - e para sentir.

Volto a Gonçalo M. Tavares. Quando li esse texto/poema da primeira vez, achei-o ácido e pessimista. Aos poucos, nas leituras seguintes, fui mudando minha opinião; cheguei mesmo a ter um carinho por essas palavras duras, como quando a gente gosta de alguém rude, arredio, mas encantador. Nos últimos dias, elas me vieram à lembrança e no bonito idioma de Portugal me pareceram mais verdadeiras que nunca.

Gostava de vos dizer uma coisa para terminar.

Às vezes tenho medo. Muito medo.
Às vezes, sofro.
Às vezes, penso nas pessoas que amo e penso na possibilidade
de as perder.
Às vezes vejo alguém doente e fico incomodado.
Pode não ser um amigo ou um familiar.
Posso estar a vê-lo pela primeira vez.
Mas fico incomodado.
Aquela doença pertence-me.

Todas as doenças pertencem a toda gente.
Todos os sofrimentos pertencem a toda gente.
Todas as mortes pertencem um pouco a toda gente.
Às vezes sinto isso muito,
outras vezes sinto menos.
Quando sinto menos posso preocupar-me com o mundo,
brincar com a poesia,
com a filosofia e com as palavras.
Mas quando sinto, deixo de conseguir pensar.
Quando sofro ou sinto o que alguém sofre, deixo mesmo
de querer ser inteligente.
Deixo de querer parecer inteligente.
Se estivermos cheios a sentir, não temos espaço para pensar.
Não fazem sentido as lógicas,
as filosofias,
as discussões.
Todo o nosso corpo sente.
E o que resta? Nada.
Só existe aquela morte, aquela doença, aquela velhice.
Só aquele pai que amo e que está a envelhecer. Só aquela mãe
que amo e que está a envelhecer.
Só aquele amigo que se tornou amargo
porque a mulher o deixou.
Só o amor e a falta de amor.
As mulheres que nos enganam e as mulheres que são enganadas,
as mulheres e os homens que enganam.
Os amigos que deixam de o ser,
Alguns inimigos que morrem, e temos pena.
Que importa o resto?
Onde está o livro importante?
O filme que resolve?
Podemos chorar à frente de um quadro, mas não resolve nada.
Podemos pintar um quadro, escrever um poema, mostrar às
mulheres bonitas como somos bonitos, exibir o nosso corpo,
mas que adianta?
Estamos sozinhos.
Se não estamos, vamos estar.
Os amigos vão-nos deixando, vão-nos deixar.
Vão morrer ou nós vamos morrer.
Ou vão deixar de nos telefonar, ou então deixamos de lhes
querer telefonar.
Estamos sozinhos. As pessoas que amo vão morrer.
Os livros não resolvem nada. A poesia é bonita e por vezes
descansa, acalma, mas não resolve nada, não resolve nada.
Somos artistas ou não somos, e qualquer coisa que seja não
adianta nada e nada impede.
Escrevemos poemas, mas não ajudam ninguém.
Escrevemos peças de teatro, sorrimos, tentamos pensar,
tentamos ter idéias, tentamos distrair as pessoas, tentamos
fazer pensar as pessoas, tentamos fazer chorar as pessoas, e
isso é bom, e pode até ser bonito, mas não adianta nada,
não resolve nada,
não adianta nada.

(in O homem ou é tonto ou é mulher, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005)

sábado, 20 de outubro de 2007

a obsessão, o tempo e o desejo


Esta semana um fato me trouxe certa satisfação e deu o mote para o texto que começo aqui: dois escritores da lista dos meus preferidos foram premiados no Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2007, o maior prêmio literário do país e que a partir desta edição incluiu
livros escritos em língua portuguesa em qualquer país, desde que editados no Brasil.

O grande vencedor foi Gonçalo M. Tavares, escritor português nascido em Angola, de 37 anos, por sua obra Jerusalém, publicada no Brasil pela Companhia das Letras. Levou 100 mil reais, uma soma considerável, tanto aqui como em Portugal.

O segundo lugar, prêmio de 35 mil reais, foi para Dalton Trevisan, por seu livro Macho não ganha flor (Record). É a segunda vez que o escritor é premiado pela Portugal Telecom: em 2003, ganhou o primeiro lugar com o livro Pico na Veia (dividindo a premiação com Bernardo Carvalho). Para não romper a tradição, o recluso Trevisan não compareceu à cerimônia de premiação, preferindo mandar uma mensagem: "Só a obra interessa. O autor não vale o personagem. O conto é sempre melhor que o contista. Vampiro sim, de almas. Espião de corações solitários, escorpião de bote armado. Eis o contista. Só invente o vampiro que exista. Com sorte, você adivinha o que não sabe. Para escrever o menor dos contos, a vida inteira é curta. [...] Quem lhe dera o estilo do suicida em seu último bilhete."

Dalton Trevisan
é uma paixão antiga, leio suas histórias há tanto tempo que parece que o conheço desde criança - o que não é absolutamente a verdade. Seus contos curtos e ácidos, de Joões e Marias, personagens universais de segredos inconfessáveis em seus dramas cotidianos , não são propriamente histórias para crianças. O primeiro livro que li dele foi Guerra conjugal. Daí pra frente, devorei quase todos os outros. Trevisan é um obsessivo pela síntese, pela linguagem concisa do conto e se aprimora a cada obra publicada.

Gonçalo Tavares é outro obsessivo (a literatura requer obsessão?). Ao falar de suas influências, citou um ditado chinês que é quase uma maldição: "não te atrevas a escrever um livro antes de ler mil ". Com o prêmio, disse que pretende comprar tempo:
" - Tenho três filhos. Isso em iogurte e leite se vai. O principal que eu quero é comprar tempo. Não quero Mercedes, não quero ser rico. Quero ter tempo. " O escritor, mesmo consagrado, com mais de 20 livros publicados em 12 países, não vive só de literatura. Divide seu tempo entre aulas em universidades e suas obras. Publicou sua primeira obra em 2001 e, nos três anos seguintes, teve 14 livros publicados, entre romances, poesia, teatro e contos.

O poema abaixo é do livro O homem ou é tonto ou é mulher (Casa da Palavra, 2005) que, a princípio, pode ser classificado dentro do gênero da poesia, mas que se revela também um monólogo dramático em versos - o livro já foi até transformado em peça teatral. A originalidade de sua produção literária é marcada por essa característica: a de contrariar classificações de gênero.


O desejo estraga tudo.
Tenho 32 planos.
52 projetos.
30 estruturas perfeitas.
O dia é claro e calmo e tem 24 horas.
De repente chega o desejo e estraga tudo.
O dia fica claro demais.
Calmo de menos.
E já não há 24 horas.
O tempo inteiro concentra-se num ponto.
Aqui. (aponta para o sexo)

Tenho o tempo concentrado aqui.
Muitos minutos concentrado no sexo.
O desejo é isto.
Ter um órgão a mais para o tempo que faz lá fora.
Lá fora o tempo tem 24 horas.
Cá dentro é bem mais pequeno.
O tempo entra todo pelo sexo e quer deixar de existir.
O esperma é o suicídio do tempo.
O esperma sobe para a torre e atira-se lá de cima.
É um suicídio.
Um suicídio do tempo.

O desejo estraga tudo.

Tinha tantos planos racionais para hoje.

Os números eram quase perfeitos.

O desejo estraga tudo.


A poesia de Gonçalo Tavares, mesmo sendo ostensivamente uma poesia de idéias, também é, em grande medida, um trabalho de requintado lirismo. Um lirismo que tenta escapar, racionalmente, do desamparo das emoções.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

PIAF - a vida que daria um filme


Ela tinha apenas 1,47 de altura, um aspecto doentio e cabelos escassos. Mas sua voz tornou-a um mito: quando cantava, era como um facho de luz que atingia a todos, sem distinção.

Não tem como não nos emocionarmos: o filme é fantástico, a interpretação de Marion Cotillard é inacreditável, as músicas são lindas e nostálgicas; o clima noir e a construção narrativa - alternando tempos e espaços diferentes da vida trágica de Edith Piaf - são uma aula de cinema. Não foi por acaso que, depois da estréia, houve na França uma verdadeira febre Piaf, com reedições de todos os tipos, biografias e caixas com CDs da cantora.

O mais incrível é sentir, na voz tão cheia de emoções de Piaf, que as canções antigas se tornam presentes, vivas, mesmo 60 anos depois. Essa habilidade de transportar sentimentos através do tempo, é o que atesta o poder da música: toda vez que ouvimos uma grande canção, ou aquela que tem um significado especial para nós, somos transportados a outro mundo; sentimos conforto ou angústia, revivemos emoções esquecidas, saímos da rotina, lembramos de nossos sonhos.

Fazia tempo que eu não chorava assistindo a um filme. Quebrei minha série invicta de vários anos, ao vê-la cantando, na última cena, Non, je ne regrette rien - uma grande canção. Disfarçadamente, como muitos que demoraram a levantar de suas poltronas, fiquei lendo os créditos.

http://www.edithpiaf.com.br

domingo, 7 de outubro de 2007

frisson na música pop


Radiohead, o grupo inglês que lançou em 1997
OK Computer, álbum considerado um dos mais influentes e inovadores da história da música pop - só perdendo para Sgt. Pepper's -, está causando um verdadeiro frisson e deixando seus fãs numa expectativa doentia. Desde 1º de outubro, as comunidades do Orkut da banda no mundo inteiro fervem com comentários e informações sobre o assunto. E na mídia, uma enxurrada de artigos comentam a novidade: Time, NME, Blitz (Portugal), Folha de São Paulo, Estadão, só pra citar alguns. Dos que li, o mais completo foi o da revista Carta Capital :

Carta Capital,
Edição 465 - 05/10/2007

A revolução comercial do Radiohead

por Felipe Marra Mendonça

O que começou com um simples anúncio num blog promete estabelecer um novo paradigma no mercado da música digital

Jonny Greenwood, guitarrista da banda inglesa Radiohead, escreveu na segunda-feira 1º, no blog do grupo, a seguinte mensagem: “Olá a todos. Bem, terminamos o novo disco e ele sai em dez dias. Nós o chamamos de In Rainbows. Um abraço de todos nós”.

O link contido no nome do novo álbum leva para um site (www.inrainbows.com), onde é possível comprá-lo em duas versões, discbox e download. A primeira é física. Os fãs que pagarem cerca de 160 reais vão poder baixar o álbum a partir de 10 de outubro e depois receber uma caixa com a gravação em CD e dois discos de vinil, além de um segundo CD com novas músicas, fotografias, artes e um livro de capa dura.

A segunda, download, é revolucionária nem tanto pelo conteúdo, mas pelo conceito que inaugura. O usuário pode baixar o disco inteiro e pagar o que considerar justo. Se nada pagar, o site cobra uma taxa administrativa pela transação de 1,70 real. A banda chega a esclarecer o conceito para consumidores mais incrédulos: “O preço é com você, de verdade, é o que você quiser”.

Isso acontece num mercado em que as vendas físicas caíram depois da combinação entre a popularização de gravadores de CDs em computadores e a massificação do acesso à internet. Houve uma queda de quase 5%, nos EUA, em 2006. Em contraste, as vendas de música digital aumentaram 65%, com 582 milhões de faixas e mais de 33 milhões de discos vendidos, mais do que o dobro do ano anterior, segundo a Nielsen Soundscan.

O interesse por In Rainbows foi tanto que o site ficou lento e Greenwood, o guitarrista, deixou um recado informando que estava tudo congestionado, “mais movimentado do que eles (os técnicos) esperavam. Então, por favor, tenham paciência conosco, tudo deve ficar normal rapidamente. Sei que pareço um segurança. Fiquem por trás dos cordões de isolamento. Obrigado pela paciência e pelo interesse no disco”.

Ao final do primeiro dia de vendas, mais pessoas tinham comprado a versão física do que a versão virtual, o que indica a fidelidade dos fãs que aguardavam há mais de quatro anos pelo novo lançamento. Um porta-voz da banda disse que a motivação principal era conseguir fazer com que as novas músicas chegassem aos fãs de modo mais rápido do que os três ou seis meses pedidos pelas gravadoras para orquestrar um lançamento comercial.

A imprensa britânica acredita que o Radiohead deve superar o modelo de contrato com gravadoras (tendo terminado o antigo acordo com a EMI) e “estabelecer um valor monetário na apreciação do público pela arte”. E mais: 1º de outubro foi “o dia da morte das gravadoras”.

A banda tinha se recusado a entrar na loja virtual de músicas da Apple, a iTunes Store, por acreditar que a prática de vender faixas quebrava a integridade artística de um álbum inteiro.

Resta agora ver que tipo de reação o lançamento de In Rainbows deve gerar no mundo digital. Se os usuários pagarem um “preço justo” pelo disco, outros artistas talvez se rendam finalmente à música digital, como os Beatles, cujos membros sobreviventes ainda não dispuseram seu catálogo para venda on-line.


Eu comprei o meu download por 1 libra. Achei um preço justo. E vc, quanto se dispõe a pagar?


domingo, 23 de setembro de 2007

el pasado

Babi, pra mim, rima com coragem, personalidade, beleza, inteligência. Rimas ocultas, independentes das palavras. Como o nome do seu blogue, tenho por ela uma estranha simpatia. Babi me fez um convite: responder a um meme ¹. Então, vamos lá.

1. Pegar o livro mais próximo.

Na minha mesa estavam 3 livros: São Bernardo, de Graciliano Ramos; Budapeste, de Chico Buarque e El pasado, de Alan Pauls. Como mal comecei os dois primeiros - li algo como umas 30, 40 páginas - escolhi o terceiro, El pasado, no qual estou mais adiantada.


Uma boa desculpa pra falar desse autor, do qual estou gostando muito. Nascido em 1959, na capital da Argentina, Alan Pauls foi professor de Teoria Literária na Universidade de Buenos Aires (UBA), fundador da revista Lecturas Críticas, subeditor do suplemento dominical de Página/12 e chefe de redação da revista Página/30, além de roteirista e crítico de cinema. Atualmente, ele escreve com o cinesta Hugo Santiago o roteiro de Buenos Aires no existe, filme sobre a passagem de Duchamp por Buenos Aires em 1918. Antes de El pasado - obra pela qual ganhou em 2003 o prestigioso prêmio Herralde para livros de ficção em língua espanhola e cuja tradução em português é atualmente um dos mais vendidos da editora Cosac Naify - publicou os romances El pudor del pornógrafo (1984), El coloquio (1990) e Wasabi (1994), este último lançado no Brasil pela editora Iluminuras. Escreveu ainda ensaios sobre Manuel Puig: La traición de Rita Hayworth (1988), Jorge Luís Borges: El factor Borges (2000) e Lino Palacio: La infancia de la risa (1994), entre outros.

Baseado em El pasado, estréia em 26/10 o filme dirigido por Hector Babenco, com Gael Garcia Bernal no papel de Rímini, o personagem principal. Mesmo que não fosse com o gato Gael, eu não perderia.


"Uma história de pós-amor", é assim que o autor classifica seu livro. A obra fala de um amor que morre e de pessoas que não conseguem suportar a perda, vivendo um "amor zumbi", termo que para o escritor poderia ser facilmente o nome de sua novela. Rímini é um tradutor que tenta firmar relações com outras mulheres após a separação de sua grande paixão Sofía, cuja sombra volta como um espectro para atormentar o protagonista. Ele se afoga em vícios para suportar a dor - vício em cocaína, em suas traduções, em masturbação e em Sofía. Ao tentar se livrar do passado, Rímini vai perdendo também o conhecimento das línguas que domina e se antes era um sedutor, torna-se dependente, tendo início uma série de metamorfoses, perdas, mortes e ressurreições. O clima muitas vezes é fantástico, como em muitas obras da tradição literária argentina.


2. Abrir na página 161 e postar a 5ª frase completa.

O livro é um calhamaço de 553 páginas, então, não houve impecilho para essa tarefa. Estou lendo no original, ao menos tentando. A 5ª frase da página 161 é esta:


"Rímini le tenía tanta confianza que, a pesar de que siempre había sido el médico de los dos, de él y de Sofía, la separación, que tanto había afectado a las cosas comunes, en este caso ni siquiera parecía haberla rozado."

O trecho refere-se ao médico homeopata que Rímini vai consultar, logo depois de ter descoberto e se assustado com uma alteração de cor em suas unhas dos dedões dos pés. Uma passagem do livro que começa cômica e se transforma em dramática. Essa, na minha opinião, uma das grandes sacadas do texto de Pauls: um romance tragicômico, como se tornam todas as grandes histórias de nossas vidas, depois que conseguimos vê-las com um certo distanciamento.

3. Não escolher o melhor livro nem a melhor frase.

Não escolhi o melhor livro, não. Bem pertinho de mim, numa pequena estante, estavam meus preferidos, como Crime e Castigo, de Dostoiévski e Dom Casmurro, do Machadão. Também não era a melhor frase do livro até o momento.

4. Repassar para 5 blogs...

É o tópico mais difícil de responder. Já é duro eu escolher o sabor do sorvete, toda vez que vou tomar um, imaginem 5 blogues. Bom, o convite vai para estes amigos:
Gabi, Oficina Operística
Ixra, Raio-X
Pete, Vermelho Carne
Thiago, Santa Ironia
Tiago, Deixis

5. O que está achando do livro

Como já disse, estou gostando muito. A prosa é rica, densa, com longos períodos, um labirinto de imagens, metáforas e uma profusão de referências literárias e cinematográficas, nem sempre muito óbvias: de Puig, Bioy Casares, Cortázar a Visconti e Truffaut. As personagens e situações, embora possam parecer estranhas, exageradas e até irreais, são ao mesmo tempo extremamente verossímeis. E tocantes, humanas. A questão da memória, que envolve toda a narrativa, sempre me fascinou. Ela remete também às obras de Proust e aos temas de Fellini - não é por acaso a escolha do nome Rímini, terra natal do cineasta italiano.
O livro é bom, muito bom, na minha opinião. Fico sempre com um pé atrás em relação aos
best-sellers. Talvez daqui pra frente eu perca esse preconceito.
R
esolvi ler no original para aprender mais o espanhol, achei que o livro teria uma linguagem mais fácil. O texto se revelou melhor e mais difícil que o esperado, estou apanhando um pouco. Mas em literatura, com o passar do tempo, acho que nos tornamos um tanto masoquistas: gostamos de apanhar do texto - um pouco, sem exageros, veja lá - e até sentimos prazer nisso.

¹ Felipe e Diego também me fizeram o gentil convite para o mesmo meme.

sábado, 22 de setembro de 2007

você sabe o que é um meme?

Faz tempo que não posto aqui. Falta de assunto não foi. Nesses tempos agitados, eles pululam como cogumelos num ambiente quente e úmido ou, numa comparação mais atual, como diplomas de doutores em certas faculdades pagas. A ausência bem pode ter sido consequência da ressaca pós-final-de-semestre da faculdade, ressaca violenta de um porre violento de trabalhos e provas, coisa inumana mesmo. Mas já me recuperei: pronta pra outras.

Como disse, assuntos não faltaram. Memes, também não: recebi alguns deles nessas últimas semanas. O meme, que originalmente tinha uma definição puramente técnica e que em relação à memória seria o análogo cultural do que é o gene em relação à genética - uma unidade mínima de informação -, com o tempo foi saindo desse contexto e trafegando, por exemplo, pela publicidade. A idéia principal é a de imitação, a informação passando de cérebro para cérebro. As frases e os jingles que não nos saem da cabeça, os modismos - usar o boné com a aba virada para a nuca: quem começou? - a tecnologia, as invenções, os provérbios, os aforismos, todos são exemplos de memes. Um dos mais conhecidos na internet é o Hampster Dance - difícil encontrar alguém que não tenha visto.

No conceito atual, o meme continua ligado à replicação, à propagação de idéias, mas na blogosfera, esse mundinho tremendamente viciante e encantador, tornou-se sinônimo de algo um pouco diferente: uma cadeia, na qual uma pessoa partilha um conhecimento pessoal e nomeia outros blogues para fazer o mesmo. Os temas são muitos: "Por que você bloga?", "Escreva sobre fatos importantes na sua vida", e por aí vão.
Nem sempre são criativos, alguns fazem perguntas à la Questionário de Proust. Mas como disse o Manoel Carlos, numa crônica sobre o citado questionário: "No fundo, no fundo, é pura bisbilhotice. Por isso mesmo, muito divertido."

Pete e Babi: agradeço por se lembrarem de mim, fiquei mesmo lisonjeada. E citando um meme: "Devo, não nego; pago quando puder". Foi péssimo, eu sei.

sábado, 8 de setembro de 2007

um sábado único - e qualquer

MATINAL

Nesta manhã de sábado e de sol
em que o real das coisas se revela
na forma nada transcendente
de uma paisagem na janela

num momento captado em pleno vôo
pela discreta plenitude
de não ser mais que um par de olhos
parado no meio do mundo

tantas coisas se fazem conceber
fora do tempo e do espaço
até que o instante se dissolva
enfim em mil e um pedaços

feito esses furos de pregos
numa parede vazia
a insinuar uma constelação
isenta de qualquer mitologia.

[de Paulo Henriques Britto , in Tarde, 2007]


Há sempre um poema para um momento só nosso, que diz exatamente o que poderíamos dizer.
Seremos nós, humanos, tão iguais e previsíveis?

sábado, 1 de setembro de 2007

a lolita de vinicius

Reler Vinicius de Moraes nunca pode ser encarado como uma obrigação, inda mais quando se trata de selecionar poemas para um prazeiroso (mas árduo!) trabalho de literatura. Por caminhos tortuosos, acabei encontrando também uma crônica muito simpática, a começar do título: Brotinho indócil. Essa expressão, brotinho, muito usada na época em que foi escrita (o texto é de 66), me fez lembrar de Roberto Carlos, da mini-saia, da Jovem Guarda e aquelas coisas inocentes que a gente associa à década de 60.

Se bem que foi nessa década que se popularizaram as drogas
- revolucionando a arte e o comportamento social - e a pílula anticoncepcional, esta mudando até as relações de trabalho, muito além do sexo. Foram também os terríveis anos da Guerra do Vietnã, com os EUA usando o napalm contra populações civis. Ah! e o golpe de 64? Bem, pensando bem, não foi uma década tão inocente assim.

O texto de Vinicius - uma delícia de texto - me fez sentir uma certa nostalgia. Mas não me venham dizer que aqueles tempos é que eram legais. O hoje é sempre melhor.

BROTINHO INDÓCIL

A insistência daqueles chamados já estava me enchendo a paciência (isto foi há alguns anos). Toda a vez era a mesma voz infantil e a mesma teimosia:
— Mas eu nunca vou à cidade, minha filha. Porque é que você não toma juízo e não esquece essa bobagem...
A resposta vinha clara, prática, persuasiva:
— Olha que eu sou um broto muito bonitinho... E depois, não é nada do que você pensa não, seu bobo. Eu quero só que você autografe para mim a sua "Antologia Poética", morou?
Morar eu morava. É danadamente difícil ser indelicado com uma mulher, sobretudo quando já se facilitou um bocadinho. Aventei a hipótese:
— Mas. . . e se você for um bagulho horrível? Não é chato para nós ambos?
A risada veio límpida como a própria verdade enunciada:
— Sou uma gracinha.
Mnhum - mnhum. Comecei a sentir-me nojento, uma espécie de Nabokov "avant-la-lettre", com aquela Lolita de araque a querer arrastar-me para o seu mundo de ninfete. Não, resistiria.
— Adeus. Vê se não telefona mais, por favor. . .
— Adeus. Espero você às 4, diante da ABI. Quando você vir um brotinho lindo você sabe que sou eu. Você, eu conheço. Tenho até retratos seus. . .
Não fui, é claro. Mas o telefone no dia seguinte tocou.
— Ingrato . . .
— Onde é que você mora, hein?
— Na Tijuca. Por quê?
— Por nada. Você não desiste, não é?
— Nem morta.
— Está bem. São 3 da tarde; às 4 estarei na porta da ABI. Se quiser dar o bolo, pode dar. Tenho de toda maneira que ir à cidade.
— Malcriado. . . Você vai cair duro quando me vir.
Desta vez fui. E qual não é minha surpresa quando, às 4 em ponto, vejo aproximar-se de mim a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e meio de mulherzinha em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho de cavalo, rosto lavado, olhos enormes: uma graça completa. Teria, no máximo, 13 anos. Apresentou-me sorridente o livro:
— Põe uma coisa bem bonitinha para mim, por favor?...
E como eu lhe respondesse ao sorriso:
— Então, está desapontado?
Escrevi a dedicatória sem dar-lhe trela. Ela leu atentamente, teve um muxoxo:
— Ih, que sério . . .
Embora morto de vontade de rir, contive-me para retorquir-lhe:
— É, sou um homem sério. E daí?
O "e daí" é que foi a minha perdição. Seus olhos brilharam e ela disse rápido:
— Daí que os homens sérios podem muito bem levar brotinhos ao cinema...
Olhei-a com um falso ar severo:
— Você está vendo aquele Café ali? Se você não desaparecer daqui imediatamente eu vou àquele Café, ligo para sua mãe ou seu pai e digo para virem buscar você aqui de chinelo, você está ouvindo? De chinelo!
Ela me ouviu, parada, um arzinho meio triste como o de uma menina a quem não se fez a vontade. Depois disse, devagar, olhando-me bem nos olhos:
— Você não sabe o que está perdendo. . .
E saiu em frente, desenvolvendo, para o lado da Avenida.

In Para uma menina com uma flor. Rio de Janeiro: Edit. do Autor, 1966.

domingo, 26 de agosto de 2007

a vida às vezes é doce

Quem me conhece sabe que troco qualquer programa por outro que envolva música. E nem precisa me conhecer bem, pra saber que sou tiete do Lobão: basta ver o nome do blogue.
Domingo apertado, muito trabalho acumulado, mas tinha show - do Lobão! E ao meio-dia, o que não combina muito com ele - nem comigo. Eu fui, claro.

Foi muito legal: ele é uma figuraça. Além de sempre ter gostado muito de suas músicas, admiro sua coragem e independência. E o fato de ter sobrevivido. Muitos artistas da geração dele, como seus parceiros Júlio Barroso e Cazuza, não o conseguiram.

Mas ele está aí, mais vivo que nunca e com uma energia incrível. Como nos velhos tempos. Tempos de que a letra de “Vou te levar” me faz lembrar:

Pensar em tudo que se passou, que se pôde sonhar e não realizou
A vida tentando escapar, mas não por agora
Ao mesmo tempo tanta coisa se amou, se refez, se perdeu, se conquistou,
Retratos estampados do nosso amor, em preto e branco, pregados na parede,
Revelando pra sempre a gente, nosso orgulho um do outro, olhando pra lente
como quem dissesse "não queremos mais nada nesse mundo"
e que me lembrasse a cada instante que valeu a pena cada lance
e valerá, tenha certeza, pra toda a vida.
Vou levar, vou te levar
pra onde for, vou te levar

Aos que o criticam de ter se rendido ao mainstream, por ter feito o Acústico na MTV e ter voltado ao esquema profissional das gravadoras, ele tem uma resposta pronta, da qual fazem parte alguns palavrões impublicáveis. É isso aí, cara.