sábado, 28 de julho de 2007

vozes femininas


Tenho fases. Todos têm fases, acho eu. Bem, talvez Bentinho, de Dom Casmurro, não as tivesse, irredutível até o final em sua casmurrice. Já a indecifrável Capitu, quem pode dizer?

Essa introdução bobinha é só pra dizer que estou numa fase de cantoras. Fase musical, convém esclarecer. Há um tempo atrás, - e quando digo tempo, estou dizendo muito tempo: anos, décadas - eu só gostava de cantores. Sei lá a razão dessa fixação masculina. Talvez por que naquela época, de vozes femininas, bastavam e sobravam as da minha família: três irmãs, mãe, tias, primas, na maioria das vezes falando e cantando ao mesmo tempo.

Quando eu me trancava no quarto e colocava um LP (o vinil) no toca-discos, queria ouvir uma voz masculina, um vocalista de uma banda de rock, ou mesmo um tom grave e calmo em uma canção de jazz. Não era pela ausência de boas cantoras, mas eu gostava mesmo dos cantores: Elton John, Joe Cocker, Eric Clapton, Rod Stewart, Lennon & McCartney. E os vocalistas como Jon Anderson (Yes), Phil Collins (Genesis), Roger Waters (Pink Floyd), Robert Plant (Led Zeppelin), Freddie Mercury (Queen) refletiam quão masculino - pelo menos na certidão de nascimento - era o território do rock.

Quando passei a morar sozinha, uma das melhores coisas era colocar o som bem alto e não ter alguém pra reclamar. Acho que tive sorte, os vizinhos do apartamento ao lado deviam ser surdos ou então, tinham o mesmo gosto musical que eu: nunca se queixaram das canções de Sting, George Michael, Chet Baker, João Gilberto, Tim Maia, Chico Buarque ou Lobão, tocadas a todo volume.

Foi a época do boom dos cd's. Eu vivia nas lojas, ouvindo os álbuns, antes de comprá-los - não existiam kazaas e e-mules para facilitar a vida da gente. O dinheiro do salário era contado e separando o que ia para as despesas da casa não sobrava muito para cd's. Mas eu sempre acabava comprando algum quando entrava na Hi-Fi do Iguatemi, naquele tempo um shopping bacana para a classe média, onde ainda se podia comprar uma bolsa ou um par de sapatos sem deixar dez salários mínimos numa loja. Mesmo assim, eu continuava passando longe da seção das cantoras.

Não sei quando isso começou a mudar. Só me dei conta há pouco tempo que hoje passo a maior parte do dia ouvindo canções interpretadas por... mulheres! Francesas, como Charlotte Gainsbourg, Coralie Clément, Keren Ann e Françoise Hardy ou inglesas, como Corinne Bailey Rae e Joss Stone. Redescobri Sarah Vaugham, Nina Simone, Annie Lennox, Gal Costa, Bebel Gilberto. Voltei à Elis, à Rosa Passos. Talvez um terapeuta diga que "comecei ouvir a mim mesma e que essas figuras femininas são como porta-vozes daquilo que sempre quis exteriorizar" - ah... acho que comecei a divagar.

O fato é que a cada dia admiro mais as interpretações femininas. A mais recente descoberta foi a brasileira de raízes cubanas Marina de la Riva, cujo cd é um primor. É dela que quero falar um pouco mais. Foi o amigo Thiago Candido - garimpador incansável de discografias - quem me mandou o link para baixar o álbum, tão logo ele foi lançado. Se estivéssemos ainda nos tempos dos LP’s, eu diria que estou 'furando o disco' de tanto escutá-lo.

A faixa que resume o álbum, e talvez por isso o apresente, é a primeira: Tin tin deo, uma saborosa rumba misturada ao Xote das meninas, de Luiz Gonzaga. No meio de tudo, o arranjo genial, que tem até berimbau: demais. Maravilhosas as românticas, Tengo un nuevo amor e Drume negrita. E Si llego a besarte é puro Chet Baker! Não faltam participações de artistas cubanos e de brasileiros: Chico Buarque dá o seu aval na faixa Ojos Malignos, o guitarrista e divo Davi Moraes toca em várias músicas, além de assinar os arranjos. As recriações de Sonho meu e Ta-hí têm uma marca bem pessoal, completamente na contramão das originais. Gosto muito desse diálogo entre diferentes gêneros e épocas. Difícil saber qual faixa é a melhor.

Vale a pena ver os vídeos da Marina no Youtube, como também baixar ou comprar o cd. E depois, ouvir a todo volume. A não ser que seus vizinhos reclamem, claro.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

por que Portugal merece o meu respeito

Eles têm João Pereira Coutinho - que nós tomamos emprestado, de tão bom que é.

E nós temos - equivalente não seria o termo - quem? Daniel Piza, talvez.

Leiam. Nem preciso comentar.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

não fosse isso

O mês de julho está findo. Sim, pois uma semana não é nada, inda mais quando é uma última semana.
Sinto um certo alívio, pela perspectiva de retomar as atividades acadêmicas, depois de mais de dois meses de paralisação. Meses em que, confesso, cultivei por demais os prazeres do ócio. Nestes, incluem-se - entre as atividades mencionáveis - leituras descompromissadas, puro deleite, navegações viciantes e sem rumo pela internet, espressos e Originais em ótimas companhias, noites sem dormir em maratonas de filmes dos Noitões do HSBC e - como não? - as postagens neste blogue.
As conseqüências da minha procrastinação crônica agora vêm à tona: tarefas acumuladas provocando um quase pânico. Quando irei aprender? Talvez nunca, mas a estiagem já começou.

E lembrando os versos de Leminski:

não fosse isso
e era menos
não fosse tanto
e era quase

Que venha logo agosto, mês dos cachorros loucos!

quarta-feira, 18 de julho de 2007

na velocidade - terrível - da queda






















São 2h10 e não sei se conseguirei dormir hoje. No meu quarto, a tevê está ligada há várias horas. Ela, que geralmente só tem a função de servir de apoio para livros, de tão ignorada. Mas esta noite não consegui tirar os olhos das imagens do acidente do Airbus da TAM, que se chocou contra o prédio da própria companhia, às 18h50, em São Paulo: uma ironia macabra, diria até.

Escrevo esse texto de chofre, quase como um relato, ainda tomada por um sentimento que é um misto de piedade e revolta pelo que aconteceu. Eu passava pela Av. Washington Luís por volta das 19h15, maldizendo a falta do rádio - não tive ainda tempo para instalar o som no novo carro. Dirigir sem ouvir música ou as últimas notícias pra mim é inconcebível, quase torturante: é como ficar numa sala de espera sem algo para ler.
Faço esse caminho quase todos os dias, de volta do trabalho, neste período de férias da faculdade. Estranhei a passagem de várias ambulâncias: dei passagem a quatro, pelo menos. Vi que algo grave devia ter acontecido. Mais à frente, quase chegando ao aeroporto, com o trânsito todo parado, a pista interditada. Ao longe, podia-se avistar o clarão do fogo. E eu, sem rádio no carro! - pensei novamente.

Segui o fluxo dos carros, meio perdida, sem saber que rumo tomar. Acabei saindo numa rua do supermercado Extra e resolvi entrar, sem nem saber por que. Fui direto ao setor dos aparelhos de tevê e soube por dezenas de telas o que havia acontecido.

Penso agora nas vítimas, nas histórias particulares de cada uma daquelas pessoas, que nos próximos dias preencherão as páginas dos jornais e cada vez mais me convenço de como a vida é frágil. E de como não temos controle algum sobre ela. Sim, eu sei: que clichê. Mas a verdade é que o presente é a única coisa com o que podemos contar.

domingo, 15 de julho de 2007

O Pantera do Pan















É raro eu ligar minha tevê. Mas hoje foi uma exceção: Pan 2007 e ainda a final da Copa América, Brasil e Argentina. Não tem como não acompanhar.

Emocionei-me com o choro e o depoimento de Diogo Silva, lutador de taekwondo, que ganhou a única medalha de ouro do Brasil até agora. De origem humilde, negro, feições muito bonitas, tranças dreadlocks, estilo agressivo, ele dominou o peruano o tempo todo na luta final. Após receber a medalha de ouro, muito aplaudido, aproveitou para desabafar e protestar: "Recebo só R$ 600,00 da Confederação (Brasileira de Taekwondo, oriundos da Lei Piva). Mas esse dinheiro atrasa e só recebemos a cada três meses. Nesse ano, fiz de tudo por essa medalha de ouro. Desembolsei do meu próprio bolso cinco mil reais para competir e treinar na Europa. Acreditava que precisava fazer o possível e o impossível por essa medalha de ouro". Nas Olimpíadas de Atenas-2004, Diogo entrou para lutar vestindo uma luva dos Black Panthers (Panteras Negras, movimento de militantes negros norte-americanos do final da década de 60), mas o juiz não permitiu que a usasse. O objetivo era protestar contra a falta de apoio do esporte no país.

Todo ano de olímpiadas ou pan-americano é a mesma coisa: descobrem-se histórias como essa, mas nada muda. O Brasil continua sendo o país do futebol.

[Falando nisso, queimei minha língua: ao contrário do que eu pensava que aconteceria, a seleção do Dunga arrasou a Argentina. Vamos ter de agüentá-lo por mais um tempo.]

Eterna discussão

Nas últimas semanas, um assunto veio à tona, em conversas com amigos, mais de uma vez: letras de canções são poemas? Uma discussão que dá muito pano pra manga, principalmente se for à mesa de um bar, o local mais confortável para longos debates.

Transcrevo aqui um artigo do Antonio Cícero -poeta e letrista de canções da irmã Marina Lima, João Bosco, Lulu Santos, Adriana Calcanhoto, entre outros- publicado no caderno Ilustrada, Folha de São Paulo, em 16 de junho de 2007.

Letra de canção e poesia - Antonio Cícero

Como escrevo poemas e letras de canções, freqüentemente perguntam-me se acho que as letras de canções são poemas. A expressão "letra de canção" já indica de que modo essa questão deve ser entendida, pois a palavra "letra" remete à escrita. O que se quer saber é se a letra, separada da canção, constitui um poema escrito.

"Letra de canção é poema?" Essa formulação é inadequada. Desde que as vanguardas mostraram que não se pode determinar a priori quais são as formas lícitas para a poesia, qualquer coisa pode ser um poema. Se um poeta escreve letras soltas na página e diz que é um poema, quem provará o contrário?

Neste ponto, parece-me inevitável introduzir um juízo de valor. A verdadeira questão parece ser se uma letra de canção é um bom poema. Entretanto, mesmo esta última pergunta ainda não é suficientemente precisa, pois pode estar a indagar duas coisas distintas: 1) Se uma letra de canção é necessariamente um bom poema; e 2) Se uma letra de canção é possivelmente um bom poema.

Quanto à primeira pergunta, é evidente que deve ter uma resposta negativa. Nenhum poema é necessariamente um bom poema; nenhum texto é necessariamente um bom poema; logo, nenhuma letra é necessariamente um bom poema. Mas talvez o que se deva perguntar é se uma boa letra é necessariamente um bom poema. Ora, também a essa pergunta a resposta é negativa. Quem já não teve a experiência, em relação a uma letra de canção, de se emocionar com ela ao escutá-la cantada e depois considerá-la insípida, ao lê-la no papel, sem acompanhamento musical?

Não é difícil entender a razão disso. Um poema é um objeto autotélico, isto é, ele tem o seu fim em si próprio. Quando o julgamos bom ou ruim, estamos a considerá-lo independentemente do fato de que, além de ser um poema, ele tenha qualquer utilidade. O poema se realiza quando é lido: e ele pode ser lido em voz baixa, interna, aural. Já uma letra de canção é heterotélica, isto é, ela não tem o seu fim em si própria. Para que a julguemos boa, é necessário e suficiente que ela contribua para que a obra lítero-musical de que faz parte seja boa. Em outras palavras, se uma letra de canção servir para fazer uma boa canção, ela é boa, ainda que seja ilegível. E a letra pode ser ilegível porque não é feita para ser lida, mas ouvida, de modo que as questões que preocupam o letrista dizem respeito à prosódia isto é, à adaptação da letra à melodia, e ao diálogo daquela com a harmonia, o ritmo, o tom, o colorido da peça musical em questão: dizem respeito, isto é, não ao texto escrito, mas à ligação orgânica do discurso oral com a música da canção.

Mas isso, em última análise, ainda não é tudo. A letra se realiza na canção, mas a canção só se realiza plenamente quando interpretada, isto é, quando cantada e ouvida. Ora, como Luiz Tatit mostra em seu belíssimo livro "O Cancionista", "no mundo dos cancionistas não importa tanto o que é dito, mas a maneira de o dizer, e a maneira é essencialmente melódica". Será sem dúvida por isso que podemos perfeitamente apreciar cantores a cantar canções em línguas que não entendemos. E Tatit observa que, para João Gilberto, por exemplo, "o texto ideal é levemente dessemantizado, quase um pretexto para se percorrer os contornos melódicos dizendo alguma coisa (afinal, a voz, por ser voz, deve sempre dizer alguma coisa)". Em suma, uma boa letra de canção não é necessariamente um bom poema.

A resposta para a segunda pergunta, por outro lado -isto é, se uma letra de canção é possivelmente um bom poema- é evidentemente positiva. Os poemas líricos da Grécia antiga e dos provençais eram letras de canções. Perderam-se as músicas que os acompanhavam, de modo que só os conhecemos na forma escrita. Ora, muitos deles são considerados grandes poemas; alguns são enumerados entre os maiores que já foram feitos. Além disso, nada impede que um bom poema, quando musicado, se torne uma boa letra de canção.

Para dizer a verdade, o que nos intriga hoje é que haja tantos grandes poemas entre as letras gregas e provençais e tão poucos entre as modernas. Entretanto, a leitura do livro "Letra Só", de Caetano Veloso -que contém tantos grandes poemas que são também letras de canções-, fez-me pensar melhor sobre essa questão. Para o punhado de poemas de Safo, por exemplo, que nos chegaram, dentre os quais meia dúzia de obras-primas, quantos milhares de letras de canções não tiveram que ser escritos e esquecidos na Grécia antiga?


Realmente, uma eterna discussão. Particularmente, acho que o suporte do papel - e cada vez mais, o da tela - é o que mais enriquece a poesia. Quando lemos um poema, em silêncio ou em voz alta, não são mais as palavras do poeta que estamos lendo: elas já são as nossas palavras, já entraram em nossas mentes, beberam dos nossos sentimentos e quando saem de nós, estão impregnadas deles, sem volta. O mesmo poema é um poema diferente, dependendo de quem o lê e de quem o ouve. Essa é a verdadeira riqueza da poesia.

[Enquanto escrevia este post e lia um poema do Antonio Cícero, lembrei-me do jogo do Brasil e Argentina. Ligo a tevê e o Brasil já marcou um gol: inacreditável. O goleiro Doni acaba de fazer uma defesa espetacular. Constato que são coisas absolutamente incompatíveis: jogo contra a Argentina e poesia. Vamos ao jogo, então.]

domingo, 8 de julho de 2007

caçando poemas na Paulista





Praia de paulistano é a Av. Paulista.
Sexta à noite, calor temporão de inverno, onde ir? Pra quem vive pensando - entre outras coisas tão boas quanto - em livros, a 'passadinha' na nova Livraria Cultura é programa obrigatório. E depois, quem sabe, um café ou uma cerveja na Augusta, que pseudo-intelectuais também sentem outras sedes.

Não resisti e comprei mais um livro de poesia: é difícil sair ilesa daquele mundo de tentações literárias. Há muito estava me devendo o "Toda Poesia", de Ferreira Gullar. Tá, já tenho três livros dele, duas antologias e o "Dentro da Noite Veloz". Mas não tinha "Toda Poesia", oras. E estava precisando dele, terrivelmente.

Procuro poemas o tempo todo. É quase um vício.
Pra quê? Não sei ainda. Talvez seja simples pretensão, como dito nas palavras de Ferreira Gullar:

Pretendo que a poesia tenha a virtude de, em meio ao sofrimento e o desamparo, acender uma luz qualquer, uma luz que não nos é dada, que não desce dos céus mas que nasce das mãos e do espírito dos homens.

Ou, pura ambição, como nos versos de Leminski:

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

E vou parando por aqui: quero caçar mais uns poemas hoje.