domingo, 23 de setembro de 2007

el pasado

Babi, pra mim, rima com coragem, personalidade, beleza, inteligência. Rimas ocultas, independentes das palavras. Como o nome do seu blogue, tenho por ela uma estranha simpatia. Babi me fez um convite: responder a um meme ¹. Então, vamos lá.

1. Pegar o livro mais próximo.

Na minha mesa estavam 3 livros: São Bernardo, de Graciliano Ramos; Budapeste, de Chico Buarque e El pasado, de Alan Pauls. Como mal comecei os dois primeiros - li algo como umas 30, 40 páginas - escolhi o terceiro, El pasado, no qual estou mais adiantada.


Uma boa desculpa pra falar desse autor, do qual estou gostando muito. Nascido em 1959, na capital da Argentina, Alan Pauls foi professor de Teoria Literária na Universidade de Buenos Aires (UBA), fundador da revista Lecturas Críticas, subeditor do suplemento dominical de Página/12 e chefe de redação da revista Página/30, além de roteirista e crítico de cinema. Atualmente, ele escreve com o cinesta Hugo Santiago o roteiro de Buenos Aires no existe, filme sobre a passagem de Duchamp por Buenos Aires em 1918. Antes de El pasado - obra pela qual ganhou em 2003 o prestigioso prêmio Herralde para livros de ficção em língua espanhola e cuja tradução em português é atualmente um dos mais vendidos da editora Cosac Naify - publicou os romances El pudor del pornógrafo (1984), El coloquio (1990) e Wasabi (1994), este último lançado no Brasil pela editora Iluminuras. Escreveu ainda ensaios sobre Manuel Puig: La traición de Rita Hayworth (1988), Jorge Luís Borges: El factor Borges (2000) e Lino Palacio: La infancia de la risa (1994), entre outros.

Baseado em El pasado, estréia em 26/10 o filme dirigido por Hector Babenco, com Gael Garcia Bernal no papel de Rímini, o personagem principal. Mesmo que não fosse com o gato Gael, eu não perderia.


"Uma história de pós-amor", é assim que o autor classifica seu livro. A obra fala de um amor que morre e de pessoas que não conseguem suportar a perda, vivendo um "amor zumbi", termo que para o escritor poderia ser facilmente o nome de sua novela. Rímini é um tradutor que tenta firmar relações com outras mulheres após a separação de sua grande paixão Sofía, cuja sombra volta como um espectro para atormentar o protagonista. Ele se afoga em vícios para suportar a dor - vício em cocaína, em suas traduções, em masturbação e em Sofía. Ao tentar se livrar do passado, Rímini vai perdendo também o conhecimento das línguas que domina e se antes era um sedutor, torna-se dependente, tendo início uma série de metamorfoses, perdas, mortes e ressurreições. O clima muitas vezes é fantástico, como em muitas obras da tradição literária argentina.


2. Abrir na página 161 e postar a 5ª frase completa.

O livro é um calhamaço de 553 páginas, então, não houve impecilho para essa tarefa. Estou lendo no original, ao menos tentando. A 5ª frase da página 161 é esta:


"Rímini le tenía tanta confianza que, a pesar de que siempre había sido el médico de los dos, de él y de Sofía, la separación, que tanto había afectado a las cosas comunes, en este caso ni siquiera parecía haberla rozado."

O trecho refere-se ao médico homeopata que Rímini vai consultar, logo depois de ter descoberto e se assustado com uma alteração de cor em suas unhas dos dedões dos pés. Uma passagem do livro que começa cômica e se transforma em dramática. Essa, na minha opinião, uma das grandes sacadas do texto de Pauls: um romance tragicômico, como se tornam todas as grandes histórias de nossas vidas, depois que conseguimos vê-las com um certo distanciamento.

3. Não escolher o melhor livro nem a melhor frase.

Não escolhi o melhor livro, não. Bem pertinho de mim, numa pequena estante, estavam meus preferidos, como Crime e Castigo, de Dostoiévski e Dom Casmurro, do Machadão. Também não era a melhor frase do livro até o momento.

4. Repassar para 5 blogs...

É o tópico mais difícil de responder. Já é duro eu escolher o sabor do sorvete, toda vez que vou tomar um, imaginem 5 blogues. Bom, o convite vai para estes amigos:
Gabi, Oficina Operística
Ixra, Raio-X
Pete, Vermelho Carne
Thiago, Santa Ironia
Tiago, Deixis

5. O que está achando do livro

Como já disse, estou gostando muito. A prosa é rica, densa, com longos períodos, um labirinto de imagens, metáforas e uma profusão de referências literárias e cinematográficas, nem sempre muito óbvias: de Puig, Bioy Casares, Cortázar a Visconti e Truffaut. As personagens e situações, embora possam parecer estranhas, exageradas e até irreais, são ao mesmo tempo extremamente verossímeis. E tocantes, humanas. A questão da memória, que envolve toda a narrativa, sempre me fascinou. Ela remete também às obras de Proust e aos temas de Fellini - não é por acaso a escolha do nome Rímini, terra natal do cineasta italiano.
O livro é bom, muito bom, na minha opinião. Fico sempre com um pé atrás em relação aos
best-sellers. Talvez daqui pra frente eu perca esse preconceito.
R
esolvi ler no original para aprender mais o espanhol, achei que o livro teria uma linguagem mais fácil. O texto se revelou melhor e mais difícil que o esperado, estou apanhando um pouco. Mas em literatura, com o passar do tempo, acho que nos tornamos um tanto masoquistas: gostamos de apanhar do texto - um pouco, sem exageros, veja lá - e até sentimos prazer nisso.

¹ Felipe e Diego também me fizeram o gentil convite para o mesmo meme.

9 comentários:

Unknown disse...

Bom, eu sou apaixonado pela literatura portenha, e isso não´[e novidade.
Já conhecia Alan Pauls de alguns fragmentos de seus textos e por um ensaio critico de Miguel Sanches Neto a respeito de "El coloquio"

o que posso dizer é que me deu muita vontade de ler "El passado", rs....me empresta? hahahaha

Beijos!

Petê Rissatti disse...

Meme pago, Mymy. Inclusive com um francês, crê nisso? Beijos

p edro disse...

livros são realmente assim. ora nos fazem querer apanhar, n'outras querem mais é que que nos retiremos, envergonhados da conivência com o segredo revelado...

e o gael faz filmes bons, meio chocantes pra um cara que faz o tipo "filmes água com açúcar", quebrando um pouco desse estigma que poder-se-ia cria em torno dele...

e ler livros numa lingua diferente da sua é um desafio também... muitas das interpretações não tem a "malicia" da lingua, mas acredito que é válido... e nosso vocabulário sai do livro enriquecido, mesmo inconscientemente.

Beijo!

Ricardo Farão disse...

Sempre duvidosa a transcrição da literatura para cinema, artes independentes de si, pode ser fiel, pode trair as letras, pode não ser nada, pode ser baseado, aí fica interessante. Basta comparar depois de assistir.

Fernando disse...

Desculpe-me pelo sumiço, querida Myriam...

Simplesmente adoro um dos livros que você citou como opções no início: São Bernardo.

Quanto a ler no original, acho que é o melhor caminho, sempre que possível - tenho sempre um pé atrás em relação a traduções. Talvez isso seja mais um dos indícios do masoquismo que a literatura nos impõe num determinado ponto. No meu humilde caso, o masoquismo tem limites: não permito que Grande Sertão: veredas me dê um tapinha que seja - larguei de lado assim que Rosa pensou em levantar a mão...rs

Anderson Lucarezi disse...

entrará na fila; assistamos o filme.
beijo dominical,

Luca

Anônimo disse...

Vc faz meus olhos cozinharem.

Anônimo disse...

by the way, http://sobrenada.zip.net

Unknown disse...

A gente, independentemente do assunto, sempre arranja um jeitinho de falar de quem/do que a gente gosta...

Beijos My

Fer