"Voltei a ter fé que há cinema sério a ser feito" - declarou Sean Penn, presidente do júri do último Festival de Cannes, ao entregar o ano passado a Palma de Ouro ao diretor
Laurent Cantet e ao elenco do longa "
Entre les murs", composto integralmente por atores não-profissionais. Vencedor também do prêmio Lumière de melhor filme (concedido pela imprensa internacional na França), indicado ao Oscar deste ano na categoria de melhor filme estrangeiro, sucesso estrondoso de público na França, "Entre os muros da escola" estreou esta semana nas principais capitais brasileiras e já é motivo de discussões por todos os cantos. O filme é muito bom, arrisco dizer um dos melhores dos últimos anos, daqueles obrigatórios, pelos quais não conseguimos passar incólumes.
Ele nos perturba principalmente por levantar questões que não são exclusivas da realidade francesa, por abrir perguntas para as quais não temos respostas e pelas quais nos sentimos também responsáveis, não importando se na posição de filhos, pais, estudantes ou educadores.
Mais que um microcosmo da multiplicidade racial da França relatando a inadequação dos imigrantes, os conflitos pelas diferenças étnicas e a busca de uma linguagem comum, o grande lance do filme de Cantet é mostrar como somos confrontados dentro de uma sociedade com questões como a autoridade, a tentativa e a dificuldade de viver numa democracia, a hierarquia e a disciplina, o lugar que cada um quer ocupar no grupo.
A meio caminho entre o documentário e a ficção – outra grande
sacada do diretor -, o filme é baseado no livro homônimo de
François Bégaudeau, recém-lançado no Brasil, em que ele relata suas experiências como professor. Nos papéis principais, estão o próprio Bégaudeau, no papel do professor-protagonista e vários adolescentes, até então não-atores, selecionados num
workshop, em uma escola da periferia de Paris, e que representam papéis muitas vezes próximos de seu cotidiano. Cantet disse em uma entrevista que não os escolheu, pelo contrário: de um grupo inicial de cinquenta, vinte e cinco decidiram se envolver no processo e participar do filme. Conta também que deu espaço para improvisação, mas uma “improvisação dirigida” - eles falaram exatamente o que ele queria que eles falassem. “O filme parece um documentário, mas não é.”
A atuação de Bégaudeau é brilhante, os adolescentes estão incrivelmente espontâneos. Bégaudeau e Cantet passaram um ano ouvindo seus relatos e reencenando-os em meio aos relatos do professor. Uma espécie de criação coletiva. “Fazíamos isso em uma sala de aula, naquilo que acabou se tornando um ensaio para as filmagens”, relata o diretor. “Todos têm o mesmo nome no filme e na vida real, exceto François, que na tela quis mudar o sobrenome para Marin.”
Levantando questões humanas, éticas e políticas num universo escolar que poderia ser extrapolado - contradizendo o nome do filme -
para fora dos muros, “
Entre os muros da escola” consegue ser, numa dialética permanente, ora sério, ora cômico, alegre e logo em seguida, perturbador. Um filme excepcional, não deixe de ver.
Veja o trailer
aqui.